quinta-feira, 1 de março de 2012

"Caubóis" - Duelos no carnaubal...

Cine Glória (C. Maior), inaugurado em 1932

     por Joaquim Pereira

Além dos jogos de futebol e de petecas, era mania a brincadeira de imitar os caubóis do Cine Glória: Rocky Lane, Johnny McBrown, Rod Cameron, Errol Flynn, Randolph Scott, John Wayne, Durango Kid, Roy Rogers e outros, cada um mais empenhado em exterminar bandidos e índios cheyenne, apache, comanche, sioux. Sendo que os bandidos eles não conseguiram exterminar.

     A mão fechada, apenas o indicador e o médio esticados, estava feito o revólver. Os estampidos eram imitados na boca. Imitava-se o estampido e o zinir dos ricochetes das balas. No internato, nas ruas, nas praças, de vez em quando tinha dois ou mais empenhados em cerrado tiroteio, saltando obstáculos, atirando-se ao chão, protegendo-se nas árvores, postes, esquinas. Balas zunindo por tudo quanto era lado. Alguns, mais empolgados, levavam a fantasia a realismo exagerado, atiravam-se por cima de paus e pedras, esfolavam-se, chegavam a sangrar. Quem fosse surpreendido a descoberto, era obrigado a fingir-se baleado, retorcendo-se, caindo no chão. Era o tempo dos sucessos de Bob Nelson, que cantava imitando os caubóis americanos, a música country de hoje.

Randolph Scott

     Certo dia, chegados do Ginásio, eu e o Polidório engatilhamos as armas e começamos duelo de vida ou morte, eu atirando do corredor, protegido no peitoril, e ele atirando do quintal, protegendo-se no pé de cajá. A certa altura do tiroteio eu quis aproximar-me do inimigo e abatê-lo. Subi ao parapeito e enquanto estava lá em cima, de pé, atirando e desviando-me da chuva de balas, desequilibrei-me. Caí sem querer, meus cotovelos buscando amparo chocaram-se no cimento duro do peitoril. Foi  uma dor terrível seguida de agonia e náusea. Desabei sobre a calçada devidamente desacordado, sem sentidos. E o Polidório soprava o revólver fumegante, imaginando que eu fingia ter sido baleado, esperando que eu me levantasse e desse por fim o combate. Que nada, eu estava era morto mesmo.

     O Polidório deve ter passado por enorme aflição, talvez pensando que seus dedos tivessem adquirido a absurda capacidade de disparar balas de verdade. Depois que voltei ao mundo, ele quase morreu de rir. Eu, zonzo, suando frio, machucado e caxingante, não vi um pingo de graça!

4 comentários:

zanzando na rede disse...

Imaginem os gentis acessadores desse blog, numa cena pra lá de cinematográfica, eu, o Zemiranda e o Icade, cada um portando um revólver de brinquedo, brincando de "artista", camanboy pra lá, camanboy pra cá, tentando imitar Bill Elliot e outros personagens dum seriado que passava toda a semana no Cine Teatro Glória, toda sex-feira... éramos nós e uma chusma de meninos, ali da casa do Dr. Miranda para o parque de diversões que tinha em frente da casa, na praça José Miranda, hoje praça, realmente... caras, a gente se divertia demais... quando nossas mães morreram, a minha e a dos mirandas, aí a gente ficava o dia inteiro por ali, só na vadiagem... brincando de "artista", tentando se caracterizar o mais parecido possível com os "artistas" da tela... Durango Kid e sua capa, a gente arrumava uma toalha, um resto de lençol, meu Deus, como a gente era inocente, puro e besta naqueles tempos...

Antonio de Souza - Cuiabá-MT disse...

Texto muito bem escrito e que conta uma história que marcou a infância de muita gente. Inclusive, a minha. Aí, em Campo Maior, na Rua do Sol, onde passei a minha infância e parte da adolescência, "atuei" muito como "rei do faroeste", imitando os caubóis que costumava ver na telona do Cne Nazareth. Eu e a turma da rua, que não perdia um filme e uma noitada, na Avenida Vicente Pacheco, para contar e recontar o filme da noite anterior. Era uma festa. Ah, sim: as armas eram feitas em duratex e papelão. Tempo bom...

zanzando na rede disse...

Se o Zemiranda puxar por essas histórias aí de brincar de "artista", aí faltar espaço aqui...mas o que é certo é que eu não lembro do que é que a gente não brincava... me lembrei aqui duma brincadeira onde zémiranda e o icade eram padres e eu sacristão... as tias muito católicas deles ali na casa ao lado mandavam fazer batinas prestas e os dois pareciam mesmo dois padrecos rezando missa e fazendo procissões ali pelo quintal da casa... um altar com santos foi feito pelo seu pai, exímio artesão de gaiolas e alçapões para prender aves, nas horas vagas do seu exercício de dentista...

José Miranda Filho disse...

O ZAN lembrou muito bem. Foram bastantes as nossas brincadeiras de "artistas e bandidos" lá em casa. Todas elas fundamentadas no cinema daquele tempo. De caubói, de guerra, de espadachim, de patrulha... Os revólveres, semelhantes aos verdadeiros, eram de plástico e de metal, tendo estes tiros de espoleta. Usávamos, inclusive, cintos (cartucheiras) com a bainha do revólver. Havia espadas em madeira bem trabalhada ou de talo de cujubeira, com protetores para o punho (existia um desses arbustos no meu quintal). Por sinal, dito pé de cujuba tinha um caule quase semelhante a um arco, e ali a gente produzia a entrada de uma caverna. Da cujuba (fruto grande, como a jaca), repartíamos em duas bandas, tirávamos a massa, raspávamos o seu interior, e usávamos como capacetes dos "soldados" para a guerra. Por vezes, as granadas eram pequenos pedaços de casca de melancia, e me recordo de que fui atingido por uma, bem na testa, entre os olhos e o capacete. Não faltavam os "índios", portando arco e flechas nos "filmes" de caubói, os peles vermelhas. A minha preferência era "interpretar" Durango Kid, usando roupa preta e a máscara do nariz para baixo. Pinuca, se lembra daquelas nossas lutas, socos daqui e de lá, quedas, que demoravam horas? Mas as nossas "histórias" só tinham homens, não tinha mulheres. Não havia meninas para participar. Pena que a Gracinha Torres (também louca por cinema) ainda não era minha vizinha naquela época, pra figurar como "mocinha", não é, Gracinha? Você toparia ser também "atriz", já que era cantora?
Enfim, uma verdadeira paixão pelo cinema. Cara, ia esquecendo o Super-homem. E sabem quem mais gostava de fazer aquele papel? Osmar do Padre, vestido igualzinho ao mais famoso super-herói. Pois bem, estava dizendo que a paixão pelo cinema era tanta, que inventamos ter um em casa. A gente recortava revistas em quadrinhos e colava os recortes em tiras, que eram enroladas em torno de uma haste, e o rolo introduzido numa caixa, em que se abria um quadrado por onde as figuras iam passando. O "cinema" tinha cartaz, igual ao do seu Castelo (Cine Teatro Glória), contendo as capas das revistas e letreiros feitos com tinta de goma. Os cartazes eram colocados na frente de casa. Recordei que os ingressos eram papéis de carteiras de cigarro.
(Acho que o espaço já encheu, e já é tarde. Logo mais torno a falar das brincadeiras, Pinuca).

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