Elmar Carvalho
Muitas dessas discussões giravam em torno dos descaminhos da má política, porque Zé Henrique possuía a capacidade de se indignar contra os demagogos de plantão, contra os hipócritas que vivem de iludir a boa-fé das pessoas humildes, contra os ladrões das finanças públicas.
Embora não fosse um erudito, era bem informado, supinamente inteligente, de raciocínio ágil e arguto; conversar com ele era uma ginástica mental instigante e agradável.
Parece que tinha a premonição de partir cedo deste mundo. Muitas vezes me disse isso. Perto de sua morte, como se esse presságio estivesse ainda mais forte, instruiu seu filho sobre alguns deveres e cuidados. Visitou a casa de uns amigos, onde fez questão de entrar no quarto do patriarca, falecido há pouco tempo, evocando-lhe a lembrança. Disse à viúva que não se preocupasse, porque onde o seu marido estivesse, estaria melhor do que neste planeta.
Na tarde que antecedeu o seu desenlace, telefonou-me sobre um assunto de família, e revelou-me ter se reconciliado com uma pessoa querida, de quem estivera distanciado.Também visitou outros amigos, entre os quais o dono de um barzinho, a pretexto de perguntar se estava devendo alguma cerveja, o que me fez lembrar o episódio sublime da morte de Sócrates, que, ao tomar o cálice mortal de cicuta, pediu a um de seus amigos que pagasse um galo, que estava devendo.
O poeta Carlos Drummond de Andrade disse que a sua Itabira era apenas uma fotografia na parede, mas como doía. Direi, citando-me a mim mesmo, que Zé Henrique jamais será uma fotografia na parede, mas me acompanhará, em minha memória e em minha saudade, cada vez mais vivo.
Na hora da saída do féretro, do alpendre da casa paterna, onde tantas vezes estivemos em momentos felizes, seu pai lhe depôs um beijo na testa, e lhe abriu, pela derradeira vez, os grandes olhos azuis, como se dissesse: "Cuidado, rapaz, ainda continuo sendo o teu velho pai, que te ama muito!"
Reviu, pela última vez aqueles olhos azuis, que nos fitavam de forma penetrante, como se quisessem decifrar e perquirir o que ia no mais profundo de nosso ser. Os olhos eram azuis, mas o sangue e a alma eram vermelhos, como as cores guerreiras do glorioso Caiçara Esporte Clube, de que éramos torcedores.
Relembrando os antigos filmes de bang bang, exibidos no velho Cine Nazaré, que em minha memória remanesce intocável, diria a esse companheiro inesquecível:
- Hasta la vista, amigo.
Helmar Carvalho - Poeta, escritor, cronista, crítico literário, membro da Academia Piauiense de Letras, jurisconsulto e piauiense de Campo Maior.
Até sua aparente zanga, nas discussões e polêmicas que, às vezes, provocava, era apenas um artifício para apimentar a conversa e reavivar suas amizades, com o tempero da paixão e da ênfase. Após o debate, era o mesmo velho amigo de sempre, sem nenhuma mágoa, sempre prestativo, sempre disposto a fazer os favores que estivessem a seu alcance, e muitas vezes nem estavam, mas ainda assim ele os fazia. No entanto, se desconfiasse que havia, mesmo de leve, magoado o interlocutor, pedia, da maneira mais natural e simpática, desculpa ou mesmo perdão, se necessário, com o seu carisma inato e espontâneo.
Muitas dessas discussões giravam em torno dos descaminhos da má política, porque Zé Henrique possuía a capacidade de se indignar contra os demagogos de plantão, contra os hipócritas que vivem de iludir a boa-fé das pessoas humildes, contra os ladrões das finanças públicas.
Embora não fosse um erudito, era bem informado, supinamente inteligente, de raciocínio ágil e arguto; conversar com ele era uma ginástica mental instigante e agradável.
Parece que tinha a premonição de partir cedo deste mundo. Muitas vezes me disse isso. Perto de sua morte, como se esse presságio estivesse ainda mais forte, instruiu seu filho sobre alguns deveres e cuidados. Visitou a casa de uns amigos, onde fez questão de entrar no quarto do patriarca, falecido há pouco tempo, evocando-lhe a lembrança. Disse à viúva que não se preocupasse, porque onde o seu marido estivesse, estaria melhor do que neste planeta.
Na tarde que antecedeu o seu desenlace, telefonou-me sobre um assunto de família, e revelou-me ter se reconciliado com uma pessoa querida, de quem estivera distanciado.Também visitou outros amigos, entre os quais o dono de um barzinho, a pretexto de perguntar se estava devendo alguma cerveja, o que me fez lembrar o episódio sublime da morte de Sócrates, que, ao tomar o cálice mortal de cicuta, pediu a um de seus amigos que pagasse um galo, que estava devendo.
O poeta Carlos Drummond de Andrade disse que a sua Itabira era apenas uma fotografia na parede, mas como doía. Direi, citando-me a mim mesmo, que Zé Henrique jamais será uma fotografia na parede, mas me acompanhará, em minha memória e em minha saudade, cada vez mais vivo.
Na hora da saída do féretro, do alpendre da casa paterna, onde tantas vezes estivemos em momentos felizes, seu pai lhe depôs um beijo na testa, e lhe abriu, pela derradeira vez, os grandes olhos azuis, como se dissesse: "Cuidado, rapaz, ainda continuo sendo o teu velho pai, que te ama muito!"
Reviu, pela última vez aqueles olhos azuis, que nos fitavam de forma penetrante, como se quisessem decifrar e perquirir o que ia no mais profundo de nosso ser. Os olhos eram azuis, mas o sangue e a alma eram vermelhos, como as cores guerreiras do glorioso Caiçara Esporte Clube, de que éramos torcedores.
Relembrando os antigos filmes de bang bang, exibidos no velho Cine Nazaré, que em minha memória remanesce intocável, diria a esse companheiro inesquecível:
- Hasta la vista, amigo.
Helmar Carvalho - Poeta, escritor, cronista, crítico literário, membro da Academia Piauiense de Letras, jurisconsulto e piauiense de Campo Maior.
6 comentários:
Helmar Carvalho, devo lhe dizer que estou emocionado. Rever o Zé Henrique, mesmo que em fotografia, desperta emoção. Fico sem saber o que dizer, depois de tantas coisas bonitas e verdadeiras que você escreveu. Zé Henrique era realmente um grande amigo. Polêmico, aguerrido, boêmio, sincero e valente, na melhor definição que esta palavra possa ter. Todas as vezes que toco violão, desde 1988, que ofereço a primeira música, sempre a mesma, ao saudoso amigo Tó. Isso começou após a sua morte. Depois incluí o querido amigo Maurício Monteiro, na homenagem, e outros que já partiram, que é pra sempre lembrá-los, principalmente nos momentos de alegria. Confesso que ainda não havia juntado, Zé Henrique, a esse grupo de irmãos, na homenagem, o que prometo fazer a partir de agora. Assim, doravante, nos momentos de boemia, sei que o som do violão, e das nossas vozes, mesmo que desafinadas, haverão de chegar a ele, em forma de prece. Que o Pai Celestial o ilumine sempre, e que no Plano Espiritual, ele possa encontrar a paz.
Gente, me ajudem a reconhecer o Zé Henrique. Não tou conseguindo me lembrar quem era. Quando vi o título pensei que era o Zé Henrique "Pau de Arara", irmão do Zé Luis "Manga de bico" e do Zébenício "Careca"
Zan, amigo dinossauro, o Zé Henrique nasceu e morreu durante seu exílio. Se aproxime dos irmãos deles, o Silvinho do posto de gasolina perto da rodoviária, e das igrejas evangélicas, ou do Netinho, médico, e aí você saberá quem foi o pai dele, este sim da sua geração. Tutti buona gente.
Rapaz, eu desconfio que o Zé Henrique era duma turma de matematica que eu tinha no Ginásio Santo Antonio, da qual faziam parte, entre outros, o Elmar Carvalho, se não me falha a falha memória.
Fiquei sabendo da existência desse blog pela manhã, soube que tinha uma foto de minha família aqui, vim olhar e estou aqui bastante emocionada.Todas as vezes que leio essa descrição de meu pai feita por tio Elmar a saudade aumenta.
Gostei mt do blog e com certeza serei uma leitora assídua.Parabéns pela iniciativa.
Zé Henrique era uma criatura de temperamento forte , no entanto era uma boa pessoa, amigo sincero. A sinceridade muitas vezes machuca. Estudei com ele, aprontamos bastante, nos divertimos muito.
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